013) Ser escritor (27.8.2025)
Ser escritor é viver duas vidas pela metade, a do mundo de fora e a do mundo de dentro.
Ser escritor é cultivar cacoetes, pequenos rituais que adiam a hora terrível de começar a escrever.
Ser escritor é ficar das 11 da noite às 2 da manhã escrevendo o melhor conto de sua vida, perder o arquivo sem ter salvo, desesperar-se, sentar de novo, refazer tudo até as 5, e perceber que ficou melhor do que antes.
Ser escritor é abrir cada revista ou suplemento literário e passar os olhos de revoada pelas matérias em busca do próprio nome.
Ser escritor não é padecer no paraíso, é divertir-se no inferno.
Ser escritor é transformar água em vinho.
Ser escritor é ler parando o tempo todo para se perguntar: “Por que achei esta frase boa? Por que achei esta outra frase ruim?”.
Ser escritor é anotar dez mil idéias sabendo que somente uma dúzia delas se transformará em texto, mas anotar mesmo assim.
Ser escritor é ver a própria alma se alternando entre gargalos e inundações.
Ser escritor é escrever uma frase crucial, mas saber que uma palavra ali pode ser substituída por outra melhor, e até achar pode levar meses.
Ser escritor é ir para uma Feira do Livro levando 30 exemplares de livros seus e trocar por 30 livros de colegas para trazer na volta.
Ser escritor é ter que ao mesmo tempo conservar o passado e conversar com o futuro.
Ser escritor é ver suas melhores frases lhe ocorrerem quando está no chuveiro, ou em pé no metrô, ou no meio de uma sessão no cinema, onde quer que seja impossível anotá-las.
Ser escritor é ter que pagar o aluguel com a venda de manifestos dirigidos à posteridade.
Ser escritor é passar três dias sem conseguir escrever porque chegou na cena em que um personagem vai ter que morrer para sempre.
Ser escritor é passar o dia respondendo “sim... tudo bem... claro que pode... por mim está OK...” às coisas que a família inteira lhe diz.
Ser escritor é, ao faltarem dois meses para sua noite de autógrafos, começar a frequentar as noites de autógrafos dos amigos.
Ser escritor é ser ao mesmo tempo arquiteto, músico, jornalista, padre confessor, voyeur, exibicionista, alquimista e publicitário.
Ser escritor é ler livros alheios premiados e ficar encontrando erros que jamais teria cometido.
Ser escritor é vasculhar a própria mente em busca de idéias como um mendigo vasculha uma lata de lixo em busca de uma coxinha em boas condições.
Ser escritor é inventar paredes onde havia a treva, inventar uma porta onde havia uma parede, uma fechadura onde havia uma porta, uma chave para abrir a fechadura, e ficar sentado, perguntando a cada pessoa que cruza o umbral: “É bonito lá fora?”.


“Ser escritor é inventar paredes onde havia uma treva, inventar uma porta onde havia uma parede, uma fechadura onde havia uma porta, uma chave para abrir a fechadura, e ficar sentado, perguntando a cada pessoa que cruza o umbral: “É bonito lá fora?”.“
Simplesmente perfeito.
Prazer em conhecê-lo Braulio! Um texto que para mim responde ao questionamento mais interno sobre " ser escritor " e a sua publicação me dá a sensação de estar sentada num puff daqueles bem grandes de uma sala vom sofás elegantes mas que prefiro estar a vontade no puf.